domingo, fevereiro 08, 2015

Hoje acordei feia

Outro dia eu acordei de mal comigo. Deve acontecer contigo também, se você for normal como eu. Ainda que não seja, se for mulher também deve ter isto de se olhar no espelho e não ter qualquer empatia com o que ali está refletido. Era daqueles dias que o cabelo quer a emancipação alegando diferenças irreconciliáveis e não há argumento ou força bruta que o faça parecer simpático. Suas dobras, que já andam um tanto quanto saidinhas, atormentam em manifestação de crescimento.
Parei, olhei e constatei: “como estou feia e gorda”. Foi terrível ouvir isto de mim, mas é ainda pior ler isto nos olhos dos outros que nem conseguem disfarçar. Onde anda a solidariedade alheia nestas horas, não? Ameacei chorar, mas pensei que as rugas podiam se precipitar piorando ainda mais o quadro. Claro que eu sabia estar (beeeemmm) acima do meu peso e num ato de compaixão pensava em quanta injustiça se juntava na minha cintura e se espalhava pela barriga, coxas e braços. Injusto, eu achava, por saber dos recentes esforços com exercícios frequentes – ainda que não tão intensos – e um upgrade de frutas, verduras e afins no meu pratinho costumeiramente recheado de massa.
Tá, como muito e não pretendo negar, mas há tempos venho investigando com médicos um aumento de peso que não se justifica há mais de um ano. Preocupe-se não, lhe pouparei dos pormenores técnicos desta resistência em perder o que não queria que me pertencesse, é só um meandro para que à par fique de minhas lamúrias naquele dia. Ali fiquei, ali me penalizei e sumariamente defini a sentença: sem cremes, perfumes, arrumação ou roupas novas até ficar “bonita” de novo, garota! Ah, e sem redução da pena ou qualquer progressão de regime.
Num relance me lancei um olhar severo ao qual em fração de segundo retribui – sim, eu mesma – com outro de pena e lamento. Daí a boa pessoa que habita em mim se solidarizou com a penalizada que também divide espaço nesta turbulenta pensão. A boazinha abraçou a coitadinha, lhe ofereceu abraço, carinho e um pouco de conversa. Explicou-lhe o quanto era legal, amada e disposta a fazer da vida um constante espetáculo de alegria e aprendizado, contou da benção de ser perfeita fisicamente, apesar da tal pressão social lhe negar este direito legítimo por conta do manequim saindo do 42.
A boa pessoa fez a condenada se lembrar de tanta gente que não tem uma perna ou um braço, encontram-se enfermas ou com qualquer outra deficiência e a trocariam de bom grado por um corpo que funcionasse bem, ainda que mais redondinho. Pobre coitada que era, a ré se ofereceu para emagrecer à marra com tantos remédios ilícitos ou insalubres à disposição e a boa alma lembrou que mais vale a saúde que a magreza. Com afagos sinceros a convenceu de que não era justa a pena, que valia o esforço para escapar desta prisão auto-imposta e a compensação com cremes para o corpo e o cabelo, coisinhas cheirosas, roupas para aquele tamanho atual e sapatos, ah, sapatos eram mesmo sempre uma boa compensação.
Quase no fim estava quando já não precisava convencer aquela frágil criatura de que injustiça eram os rótulos, os desmandos em nome da tal fôrma. Triste era se abandonar enquanto colocava valor em quem não o tinha, ainda que bonito fosse pelo verniz que se via por fora. Aquele ar impetuoso a sair dos pulmões inflando o peito que se levanta esticando o pescoço e dá uma murchadinha na barriga foi o decreto final: absolvida. Liberta estava da pena, pelo menos por aquele dia, pois a gratidão lhe escapou pelos poros exalando o perfume suave do amor próprio.

E você, qual o “defeito” que tem? Pense nele como característica e pense mais: em todos os defeitos que felizmente não tem! Daí, agradeça a Deus por tantas bênçãos ao invés de ser ingrata por uma coisa ou outra que não saiu como desejava…

sábado, fevereiro 07, 2015

O Mito do "Caráter de Ouro"

Ouve-se muito de pregadores adventistas a seguinte declaração: "Jesus não vai mudar você quando ele voltar, você vai pro céu com o mesmo caráter que tem agora!"

Esse apelo é baseado numa passagem de Ellen White que diz o seguinte:  

"Sairemos da sepultura com a mesma disposição que manifestamos em nosso lar e na sociedade. Jesus não altera o caráter em Sua vinda. A obra de transformação tem de ser efetuada agora. Nossa vida diária está determinando o nosso destino. Precisamos arrepender-nos dos defeitos de caráter, vencê-los pela graça de Cristo e formar um caráter simétrico neste período de prova, a fim de que sejamos habilitados para as mansões lá do alto." (Eventos Finais, 295) 

Uma primeira observação importante: ela não diz caráter perfeito e sim simétrico. Ademais, o contexto original da passagem (Manuscript Releases 13:82) revela que Ellen White está falando sobre a influência dos pais sobre os filhos e da importância do cuidado com as palavras usadas no lar,  pela demonstração de amor, afeto, paciência etc.
George Knight em seu livro "Como Ler Ellen White" nos adverte sobre a importância de discernir entre declarações de Ellen White que apontam para um ideal e as que falam do real:

"Ellen White constantemente entristeceu-se com os que selecionam de seus escritos “as expressões mais fortes dos testemunhos e sem fazer uma exposição ou um relato das circunstâncias em que são dados os avisos e advertências, querem impô-los em todos os casos. [...] Escolhendo algumas coisas nos testemunhos, impõem-nas a todos, e, em vez de ganhar almas, repelem-nas. Quando Ellen White fala do ideal, ela emprega sempre sua linguagem mais forte. É como se ela sentisse a necessidade de falar em alta voz para ser compreendida.”  (George Knight, "Como Ler Ellen White,"  99,http://www.scribd.com/doc/66084171/Como-Ler-Ellen-White).

Creio que o problema da interpretação dessa passagem é confundir natureza pecaminosa com caráter. É possível desenvolver um caráter que está constantemente voltado às coisas de Deus, apesar de nossa natureza pecaminosa, que será removida por ocasião da vinda de Cristo. É possível viver "com os pés na terra e olhos no céu" como diz a famosa canção. Por isso,  o uso que é feito dessa passagem infelizmente tende a apoiar o perfeccionismo, que não é seu objetivo! Sem dúvida, tal leitura acaba colocando Ellen White contra o apóstolo Paulo que diz

"Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos serão ressuscitados incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade. Mas, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrito: Tragada foi a morte na vitória. (1 Cor. 15:52-54)

Essa transformação de corruptível para incorruptível também inclui nosso caráter deficiente e imperfeito, nossa natureza pecaminosa, nossas tendências ao mal bem como nosso corpo mortal. O que não mudará será nosso desejo de estar para sempre com Deus, que deve começar hoje!

Por isso, quando Ellen White nos incita a desenvolver um "caráter simétrico" que estará preparado para o céu, creio que seu objetivo não é levar-nos às raias do "perfeccionismo sem pecado" como passaporte para as mansões celestiais, mas sim ao desenvolvimento de uma constante submissão à vontade de Deus e desejo de fazer sua vontade que se revela numa disposição humilde e positiva, serviçal. Afinal, esse é o caráter dos seres não caídos: eles fazem a vontade de Deus de dia e de noite. 

Em nossa esfera pecaminosa, desenvolver um caráter que esteja sempre voltado às coisas de Deus é de suma importância, apesar de nossas falhas e limitações da impossibilidade de desenvolver um caráter absolutamente imaculado, sem propensões ao pecado, sem erros ou falhas. Somente Jesus teve um caráter sem propensões ao pecado e por isso ele pode salvar "perfeitamente" os que por Ele se achegam a Deus.

Como saber se nosso caráter está agora preparado para o céu? Ellen White ilumina a questão ao sugerir as seguintes perguntas:

"Quem possui nosso coração? Com quem estão nossos pensamentos? Sobre quem gostamos de conversar? Quem é o objeto de nossas mais calorosas afeições e nossas melhores energias? Se somos de Cristo, nossos pensamentos com Ele estarão, e nEle se concentrarão as nossas mais doces meditações. Tudo que temos e somos a Ele será consagrado. Almejaremos trazer a Sua imagem, possuir Seu Espírito, cumprir Sua vontade e agradar-Lhe em todas as coisas. (Caminho a Cristo, 58).
  
E compare a declaração acima com essa:

"Eu nunca ousei dizer: "Sou santa, sou sem pecado", mas procuro fazer de todo o meu coração o que acho ser a vontade de Deus, e tenho a doce paz de Deus em minha alma. Posso confiar o cuidado de minha alma a Deus, como a um fiel Criador, e sei que Ele guardará o que foi entregue aos Seus cuidados. A minha comida e bebida é fazer a vontade do meu Mestre (ME 3, 354).

Aí está o segredo, procurar fazer de todo o coração a vontade de Deus. Ellen White continua

"Não podemos dizer: "Sou sem pecado", até que seja transformado este corpo abatido, para ser igual ao corpo da Sua glória. Se, porém, procuramos constantemente seguir a Jesus, pertence-nos a bendita esperança de ficar em pé diante do trono de Deus, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante; completos em Cristo, envoltos em Sua justiça e perfeição. (ME 3, 354)

e finalmente:

"Não devemos fazer de nós mesmos o centro, nutrindo ansiedade e temor quanto a nossa salvação. Tudo isto desvia a alma da Fonte de nosso poder. Confiai a Deus a preservação de vossa alma, e nEle esperai. Falai e pensai em Jesus. Que o próprio eu se perca nEle. Ponde de parte a dúvida; despedi vossos temores. Dizei com o apóstolo Paulo: "Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em Mim, e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim." Gál. 2:20. Repousai em Deus. Ele é capaz de guardar aquilo que Lhe confiastes. Se vos abandonardes em Suas mãos, Ele vos tornará mais que vencedores por Aquele que vos amou. (Caminho a Cristo, 60 e 61). 
Não, amigo, nosso caráter não será a chave de ouro que abrirá os portões celestiais. Só entrarão ali os que estiverem cobertos pelo sangue de Jesus, pelos méritos de sua vida e caráter perfeitos e pelo seu sacrifício em nosso favor.
 
Seja feliz hoje, você foi aceito por Deus em Cristo. Não tente buscar a perfeição sem pecado ou um caráter imaculado. Tentativas desse tipo só levam ao desespero e depressão espirituais. Esse não é o objetivo da vida Cristã. Se isso fosse possível, Jesus não teria dado sua vida por você! Procure as coisas de Deus hoje com todo o seu coração, comece sua vida eterna hoje. Faça seu melhor. Deixe o resto com Deus.

Aquele que crê no filho, tem [hoje] a vida eterna." João 3:36

Um abraço!
André Reis

As fases da criança e a saúde mental – Consultório de Família